Doces caprichos

Eu poderia ter caminhado sobre aquela calçada sem motivo algum apenas para observar a vida passar, as árvores no outro lado, os mosquitos que voavam próximos às lâmpadas. Eu poderia tropeçar em algum dos tijolos quebrados e soltar um grito de raiva ou talvez enviar um sorriso falso de constrangimento. Eu poderia andar mais algumas quadras pensando melhor no que dizer, pensando na vergonha, e até mesmo em alguns dos momentos bons. Eu saberia que minha mente não agüentaria tanto, e sem dó ela iria solapar o desejo incontrolável de dizer:
"Deita comigo no chão da sala vazia, liga um som bem velho, aquelas bandas que costumávamos ouvir. Que lembram casa, da tua casa, das férias, as noites andando sem rumo. Canta bem alto comigo, até o interfone tocar com algum vizinho reclamando do nosso barulho absurdo, em plena segunda-feira, às três e meia da manhã.”
Eu poderia parar e respirar bem fundo, repensar sobre tudo, mas eu não conseguiria parar. Não ainda. Eu precisava continuar andando, eu precisaria pensar mais, talvez chorar um pouco, sorrir em meio às lágrimas, ou apenas ficar quietinha, andando. Ainda assim, minha mente não perdoaria e nem daria um tempo para pensar em outra coisa.
“Deita comigo no chão frio da sala – que não é nossa - de jeans, camiseta de banda, All Star sujo e com o som ligado. Deixa as luzes acesas, desperdiça comigo o seu tempo, e todo o tempo que eu levei pra te esquecer. Abre mão de tudo e fica do meu lado um pouco, me faz rir. Minhas amigas odiariam tudo isso, nosso barulho e a minha falta de amor-próprio, mas eu não me importaria. Cumpre aquela promessa de fugir comigo, ou simplesmente dorme ao meu lado, no chão frio, e torna ele quente.”

Certo que muitas esperanças morreriam, mas eu faria alguma força pra manter algumas delas acesas, como velas, mas, mesmo assim o que restaria seria uma ruína do que realmente sou. Ou ao menos do que era. E um profundo abismo entre a porta de saída.

Gisana Monteiro
rottenapplex.blogspot.com
giii_m@hotmail.com
Santiago, RS



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Comentários

Gim disse…
own, me senti. =)

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