Fria noite. Quente amor.

Naquela noite fria, a rua era o córrego perfeito para o vento gelar-me o corpo todo. Um cachecol de lã preto era o que ajudava meu nariz, boca e face de resguardarem-se da congelante temperatura típica do inverno. Da minha boca, ao expirar, um vapor d’água saia com voracidade; consolidando, então, o que os termômetros da cidade marcavam: -2°C.

Sem nada nos ouvidos – não pelo fato de não ter um mp2, mp3, mp4 ou alguma elite-tecnológica-Apple, mas por encher minha cabeça com outras coisas -, descia a ladeira – da rua - da minha casa. Podia ouvir minhas pegadas como alguém que fica no porão de uma residência assoalhada; era assim que eu ia. Pé por pé, passo por passo, rumo ao lar. Ao entrar em casa, minha mãe já gritava: – O leite está no micro-ondas. Eis que o chocolate quente tomava forma, cheiro, gosto e calor, aquecendo minh’alma e corpo, gelados pela fria temperatura dos pampas, da minha querida Terra dos Poetas. Cansado, sentei-me, bebi e pensei.

Do outro lado da janela, comecei a ouvir gotículas. Era a chuva que vinha para me acompanhar. Peguei uma toalha, coloquei na cabeça e fui até o quintal buscar umas lascas de lenha para fazer fogo. Acendi-o e esfreguei uma mão na outra em frente à lareira. Era uma sensação maravilhosa, um calor tão bom, um amor, uma presença. Deus e eu naquela noite fria de inverno. O fogo parecia a presença dEle aquecendo-me constantemente – assim com Ele é: constante. Sem titubear, coloquei uma seleção de músicas que tinha feito dias atrás para tocar. Era o céu, o som dos Céus. Letras que falavam do amor, do perdão, da fé e da esperança, itens fundamentais para vivermos em harmonia com o mundo e com Deus. O tic-tac do relógio era periódico, as brasas vivas queimavam sem parar, a chuva ia criando uma forma mais encorpada, mas continuava serena; e eu continuava ali, sentado em frente à lareira, tomando os últimos goles do meu tão delicioso chocolate quente.

Eis que batia um sentimento forte no peito. Não era solidão, mas as características eram de uma saudade, uma forte saudade. Era o amor que estava longe, intocável, imutável, mas real. Naquele momento, foi como sonhar mesmo estando acordado. Vários flashes me vieram à cabeça, situações vividas, algumas até incompreendidas. Marcas no coração. Marcas deixadas pelo amor, pelo perdão; marcas boas, marcas únicas. Apenas marcas. Mas o sentimento continuava ali, firme e forte. E o amor continuava longe. Do nada, assim, comecei a analisar o fogo. Ele era multiforme. Várias cores, vários cheiros e um só calor. O moço era usado para muitas coisas. Queimar, cozer, machucar, matar, mas sempre aquecer. Assim como o amor, o amor dela, que me aquecia nos momentos frios, nos momentos necessários e sempre reais. E, mais uma vez, estava longe. Já o fogo, como sempre, perto.

Mas alguém estava ali comigo. Analisava tudo o que fazia: meus sentimentos, minhas emoções, minhas contradições, minhas falhas, meu amor. Deus sempre a me observar. Já beirava a terceira madrugada, e eu continuava a pensar e imaginar nas variantes do amor, quase entrando em devaneio, mas um devaneio bom, devaneio de quem ama. Estava sendo uma noite maravilhosa, mas algo aconteceu. O fogo apagou, o calor cessou, mas o amor continuou. Então fui dormir. Dormir como todos dizem: com Deus. Mas sonhar como só eu digo: com ela.

Ricardo Cappa
ricardocappa@hotmail.com
http://palavrasaoaleatorio.wordpress.com
Santiago, RS



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