Chão de estrelas na Terra dos Poetas

Não, não temos juízo. Também não temos eira nem beira. O que nos limita é a vida, ou a morte. Pois mortais, que somos, esperamos um pouco mais de brilho em vida. Não, não que sejamos iluminados. Não o somos. Não somos também melhores que os outros. Muito pelo contrários: piores, até, em certo sentido. Agora, ninguém nos tira o gostinho, nem que seja de uma réstia de luz, de uma réstia de paz, de um brilho interior que nos incendeia, morno, cálido, sereno, túmido até. E dessa loucura esparramada, intentamos o brilho, um pequeno fulgor incandescente que contamine as gentes. Assim nos fazemos, no dia a dia, nas horas de trabalho em que ganhamos a vida, altaneiros, confiantes de que ali, aqui, acolá... a poesia virá. Não por sermos os escolhidos, não por sermos especiais, talvez por um brilho no olho que, mais que isso, nos faz colhidos. E, nessa colheita, é preciso estender as mãos. Pra isso o sentido de multidão, mesmo que pequena. Do pouco que somos a certeza de sermos muitos, ou, pelo menos, múltiplos. E nesse multiplicar de ações, brilhos, olhares, encontramo-nos uns com os outros, na penumbra, que seja. Aliás, de luz, entendemos um pouco: sem o contraste do outro lado, mero bailado sem par, sem música ao fundo, sem lamento, sentimento, acolhimento, que seria? Dessa sombra necessária, então, precisamos pra mostrar nosso pequeno brilho. Como pirilampos escondidos na caixa da infância, saudamos a chegada da noite dentro da noite, a falta de luz que nos iluminou. Na falta de velas, afeto; na falta de eletricidade, a constelação lá no céu — milhões de anos de distância, num recado eterno sempre a chegar em boa hora — a abençoar o momento. Um céu cravejado de estrelas que luziam sem parar, enquanto, cá em baixo, nós, os sem juízo, os sem pudor, naquele espaço à média luz, ousávamos falar em paixão, ousávamos falar em amor. Amor pelos livros, amor pela palavra, amor pelas pessoas, enfim. Seres eternos e efêmeros, meros multiplicadores de um sentimento que a tecnologia não há de apagar: onde ela mais nos faltar, mais a presença humana há de se afirmar. E assim entendemos que, enquanto nos iludíamos a lançar livros de poemas no escuro, lá fora a verdadeira poesia acontecia, a se derramar pelo pampa como um aviso, antecedendo o orvalho. A semente plantada na esquina da Silveira Martins com a General Canabarro haverá de vingar. E dessa semente, o fruto pode ser pouco, pequeno, ínfimo, mas enquanto reunir pessoas para, em sentido coletivo, dar um espaço à palavra, para a troca de ideias, para a cultura, as estrelas lá estarão, para iluminar o chão, senão do barraco de zinco, da Casa do Poeta do Boqueirão.

Assim, os convivas poderão cantar, parodiando o seresteiro Silvio Caldas: “A Casa do Poeta era sem trinco, mas a lua, furando o nosso zinco salpicava de poemas nosso chão”.

*O meu agradecimento especial ao Giovani Pasini – extensivo aos diretores da Casa — e aos presentes no lançamento do meu livro — Geração Pixel — e no da amiga Lígia Rosso, Nas entrelinhas – último evento público da Casa do Poeta no endereço citado. Longa vida à Casa do Poeta Caio Fernando Abreu; que a nova sede não se demore. A cultura da Cidade espera que seja breve essa lacuna.

Breno Serafini
http://www.brenoserafini.com.br
Porto Alegre/RS



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